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Setor químico vai à Justiça por Bolsonaro descumprir isenção fiscal prometida

Bolsonaro sancionou em julho passado acordo que previa uma redução gradual da isenção até 2025 - Estevam Costa/PR
Bolsonaro sancionou em julho passado acordo que previa uma redução gradual da isenção até 2025 Imagem: Estevam Costa/PR

André Borges

Estadão Conteúdo, Brasília

29/01/2022 08h07Atualizada em 29/01/2022 08h51

A indústria química se prepara para acionar o governo na Justiça por quebra de um acordo firmado no ano passado. O objetivo é reaver a isenção fiscal prevista pelo Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e assegurada em lei sancionada em julho do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Criado em 2013, o Reiq tinha o propósito de gerar maior competitividade ao setor químico brasileiro, com a isenção de 3,65% do PIS e Cofins sobre a compra de matérias-primas básicas.

Depois de tentar acabar com o benefício em duas ocasiões, Bolsonaro sancionou acordo costurado no Congresso, que previa uma redução gradual da isenção, até que fosse zerada em 2025. O setor, porém, foi surpreendido às 23h15 do dia 31 de dezembro, quando o governo publicou nova medida provisória, em edição extra do Diário Oficial, para decretar o fim do regime para compensar a decisão de ter zerado o imposto na compra de aeronaves.

"Isso gera uma enorme insegurança jurídica, o investidor não coloca dinheiro num país que não cumpre o que está em lei", disse ao Estadão Ciro Marino, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

A reportagem questionou a Presidência da República, a Casa Civil e o Ministério da Economia sobre o assunto. O ministério declarou que não se manifestaria. Os demais não responderam.

O peso dos impostos sobre a indústria química chega a 45% no Brasil e vai até 25% nos polos produtivos de países da Ásia e da Europa e nos Estados Unidos. O economista Marcos Lisboa afirmou que é preciso rever a tributação no País: "A tributação tem de ser tratada como um problema geral e horizontal. Não se pode mais tratar deste assunto como o de interesse de um único setor."

Fim de incentivo ameaça 85 mil empregos

O receio de entrar para a lista dos 12,4 milhões de desempregados do País passou a fazer parte da rotina de Joel Santana de Souza. Técnico de produção da Braskem há 30 anos, no polo petroquímico do ABC, em São Paulo, Souza diz que já ouviu falar em risco de corte do setor. "O trabalhador fica aterrorizado com esse assunto de demissão. A indústria química é uma área restrita, não tem como migrar para outra", diz.

O empregado da Braskem faz parte dos 85 mil trabalhadores que a indústria química diz que poderá demitir nos próximos meses, por causa da decisão do governo de acabar com o Regime Especial da Indústria Química (Reiq), que previa isenção de 3,65% do PIS e Cofins sobre a compra de matérias-primas do setor.

A indústria química tem três polos de produção no Brasil, localizados em Camaçari (BA), Triunfo (RS) e no ABC, em São Paulo. A apreensão nos municípios é generalizada, por causa dos impactos que a medida venha a ter no emprego e na arrecadação fiscal.

"São 30 mil empregos nessa indústria aqui em Camaçari. É a matriz econômica da cidade", diz o vereador Júnior Borges (DEM), presidente da Câmara local, que tem procurado políticos para pressionar o Congresso a derrubar a decisão do presidente Jair Bolsonaro.

A preocupação do município baiano é ampliar o fosso aberto em janeiro passado, quando a Ford decidiu paralisar sua produção na cidade e 12 mil pessoas perderam o emprego. "Isso pode ter um efeito cascata. O governo federal não pode quebrar um acordo dessa forma. As empresas já tinham se organizado porque assumem compromissos de longo prazo", diz o prefeito de Camaçari, Elinaldo Araújo (DEM).

A 90 quilômetros de Porto Alegre, Triunfo, de 30 mil habitantes, está apreensivo em relação aos 6 mil empregos ligados à indústria química. "Para nós, causa um grande espanto, é um ato de total inconsequência, pelo prejuízo que vai causar à toda indústria química e aos municípios. É um atentado contra a nossa economia", diz Murilo Machado (MDB).

A indústria petroquímica emprega hoje 2 milhões de trabalhadores. Destes, estima a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), 85 mil poderiam desaparecer, dado o aumento de custos para a produção e o impacto disso no mercado, que ampliaria a importação de produtos, em detrimento da indústria nacional.

Em 2021, o Reiq significou, para o governo federal, abrir mão de R$ 1,4 bilhão em arrecadação. Neste ano, com o acordo de redução gradual do benefício que Bolsonaro havia firmado, o valor cairia cerca de 20%, para cerca de R$ 1 bilhão.

Concentrada, a indústria química de base reúne cerca de 20 grandes empresas no País. Destas, 13 são diretamente afetadas pela decisão do governo, como Braskem, Dow, Basf e Inova, entre outras.

Mobilização

Com o fim do recesso parlamentar e o retorno do Congresso Nacional a partir de 2 de fevereiro, políticos locais, empresários e associações prometem uma mobilização em Brasília para tentar reverter a decisão do presidente Jair Bolsonaro. Há expectativa de que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declare a medida provisória sobre o assunto irregular, por ter desrespeitado o conteúdo de lei já aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio Bolsonaro.