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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rei do cinema nacional, Paulo Gustavo era um colosso nas bilheterias

Colunista do UOL

04/05/2021 22h09

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No Brasil do século 21, o personagem mais popular do cinema foi uma dona de casa falastrona, interpretada por um comediante vestido de mulher. Em tempos de correção política, Paulo Gustavo ousou ser engraçado com o clichê mais batido do humor nacional. O resultado foi uma conexão afetiva avassaladora e um trio de filmes que arrastou milhões ao cinema.

Mérito 100% de Paulo Gustavo, que enxergou no exagero o espelho perfeito para o povão. A resposta foi absurda. Os três "Minha Mãe É Uma Peça", em que o humorista interpretou a histriônica Dona Hermínia, levaram juntos mais de 25 milhões de pagantes aos cinemas. O terceiro filme é, em teoria, o segundo maior sucesso da história do cinema brasileiro —ressalto o "teoricamente", porque o primeiro é "Nada a Perder", e eu não acredito em números artificiais.

"Minha Mãe É Uma Peça", que nasceu no teatro em 2006, sete anos antes de saltar para as telas, fez de Paulo Gustavo um astro. Mas engana-se quem acha que sua munição estava resumida a um personagem. Nos palcos, na TV e no cinema, o humorista exercitou seu talento em unir os mais diferentes perfis de público e criou uma série de produtos extremamente bem-sucedidos.

Como protagonista, transformou "Vai Que Cola - O Filme" em um fenômeno que levou mais de 3 milhões aos cinemas. Como coadjuvante, ajudou a alavancar o sucesso de "Os Homens São de Marte... e é pra lá que eu vou!", que cravou 1.8 milhões de público, e sua continuação, "Minha Vida em Marte", visto por mais de 5.3 milhões de pessoas —o levantamento foi feito pelo portal "Filme B" a pedido de Splash.

O cinema no Brasil nunca foi construído em cima de astros, e sim de momentos. Ainda assim, o humor sempre foi o grande motor da nossa indústria claudicante. Oscarito e Grande Otelo faziam rir já nos anos 1940. Mazzaropi dominou os anos 1960. Os Trapalhões reinaram na década seguinte até o triunfo absoluto nos anos 1980. Recentemente, Leandro Hassum e Ingrid Guimarães se consolidaram como grandes nomes em nossa comédia e em nosso cinema.

Paulo Gustavo habitava o mesmo pódio. Mas sua trajetória sempre impressionou mais por acontecer em um país machista e homofóbico como o Brasil, em que a sexualidade historicamente era representada por estereótipos. Em vez de fechar os olhos para os clichês, Paulo os abraçou e os devolveu para a plateia com leveza, ironia e muito bom humor.

Dona Hermínia, afinal, não é um "tipo", e sim um amálgama exagerado de uma típica dona de casa da classe média. Traz um pouco de nossas mães e avós, de nossas tias e madrinhas, com toda a inconveniência e falta de noção atreladas a alguém sem freios na língua porque sabe que cada palavra, cada gesto, nasce de um lugar de carinho.

O Brasil então se enxergou em Dona Hermínia e em "Minha Mãe É Uma Peça".

Do lado de cá, abraçou sem restrições seu intérprete, abrindo também espaço para a aceitação de um homem assumidamente bissexual, casado com um dermatologista, pai de dois filhos. A família perfeita, com imagem pública que transbordava amor e simpatia, capaz de dobrar o preconceito mais agudo.

Ser o "rei do cinema nacional" (que ele definitivamente era) era mais do que protagonizar sucessos de bilheteria. Principalmente com "Minha Mãe É Uma Peça", Paulo Gustavo conseguiu reverter décadas de arquétipos negativos acerca do retrato da diversidade sexual na grande mídia sem ter de subir num palanque, sem ter de proferir discursos: ele o fez com bom humor, no grito e, acima de tudo, com humanidade.