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José Paulo Kupfer

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Reformas trabalhista e da Previdência ajudaram na explosão dos precatórios

11/08/2021 15h56

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O volume dos precatórios vem crescendo desde 2015 e explodiu na previsão para 2022. O ano de 2022 é um ano eleitoral e o presidente Jair Bolsonaro demonstra obsessão em permanecer no poder, com a sua reeleição. Para isso, o governo procura abrir espaços fiscais que permitam ampliar gastos públicos com medidas que ajudem a impulsionar o projeto de reeleição de Bolsonaro.

Este é o ambiente que explica o envio ao Congresso da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que altera o pagamento de precatórios. Sem a aprovação dessa PEC, dificilmente seria possível conseguir recursos, dentro dos limites das leis e normas de controle fiscal existentes, para turbinar o programa Bolsa Família, agora chamado Auxílio Brasil, assegurar aumento de remuneração para servidores e impulsionar obras públicas pelo país.

Para abrir espaços fiscais, e permitir que Bolsonaro promova "bondades" com recursos públicos, de olho na reeleição, a PEC propõe, na visão de especialistas, driblar regras fiscais, abrindo caminho para a criação de um Orçamento paralelo. Também quebra a chamada regra de ouro dos controles fiscais, ao permitir que o governo faça dívidas para cobrir despesas correntes - salários e benefícios sociais, por exemplo -, sem autorização do Congresso, o que é hoje vedado pela lei.

A "contabilidade criativa", usada no governo Dilma para abrir espaços fiscais está de volta. O adiamento e o parcelamento do pagamento de precatórios - dívida definitiva, estabelecida pela Justiça - é um calote clássico. Como avisou o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo, como qualquer caloteiro, "deve, não nega e pagará quando puder". O objetivo do governo com a PEC também é considerado pedalada fiscal, na medida em que transfere de um ano para outro parte dos gastos públicos.

Mas por que o volume de precatórios explodiu, levando o governo a tentar, no Congresso, legalizar um calote e uma pedalada fiscal?

Uma busca aos valores anuais acumulados pelos precatórios da União, em anos recentes, mostra uma escalada. De 2009 a 2014, o volume total se manteve, a cada ano, abaixo de R$ 30 bilhões. De 2015 a 2017, período no qual o ajuste fiscal ganhou prioridade, sendo instituído o teto de gastos e aprovada uma reforma trabalhista que reduziu direitos existentes, o total subiu para a faixa entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões, chegando a R$ 42,5 bilhões, em 2018, e R$ 46,1 bilhões, em 2019. Daí voou para R$ 55 bilhões, em 2020 e 2021, período em que a reforma da Previdência, aprovada em novembro de 2019, entrou em vigor.

Há, como apontou relatório da IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão vinculado ao Senado Federal, que acompanha as contas públicas, um efeito acumulado de ações que correm por anos na Justiça e que, depois de inúmeros recursos judiciais, a União não se empenha na negociação de acordos plausíveis, e sofre derrota definitiva. Mas a razão principal parece ser aquilo que o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas), nomeou como "vazamentos do ajuste fiscal".

"Quando os critérios de concessão de benefícios endurecem, uma parte dos antigos direitos é cortado ou limitado, resultando em tentativa de reposição na Justiça", nota Pires. De fato, há sempre um aumento de casos de busca de reparação judicial na sequência de reformas como a trabalhista, no governo Temer, e da Previdência, com Bolsonaro.

A reposição de benefícios considerados "direitos" pelos atingidos é um canal por onde vaza o ajuste fiscal, mas não o único. Nos processos de ajuste fiscal, a máquina pública é afetada por cortes orçamentários e contingenciamento de gastos. Precatórios podem refletir um ambiente de "shutdown branco" - dificuldades de funcionar, por falta de recursos - da gestão governamental.

"Contingenciamentos podem virar descumprimento de contratos, dando margem a demandas judiciais", lembra Pires. "O gasto reprimido acaba vazando do Orçamento e vai aparecer em outro lugar, muitas vezes sob a forma de precatórios", conclui Pires.

Na escalada dos precatórios é possível também localizar o prejuízo causado pela atuação negligente do ministério da Economia. Guedes demonstrou surpresa com o tamanho da dívida em precatórios acumulados para 2022, mas seu ministério foi devidamente avisado e alertado para o problema em tempo hábil.

Por uma série de dispositivos, inclusive legais, os tribunais de Justiça são obrigados a enviar ao governo informações sobre sentenças contra a União, julgadas em definitivo, até o dia 15 de junho de cada ano. O prazo permite que, via informes AGU (Advocacia Geral da União), a Economia disponha de dados necessários à elaboração da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano seguinte.

Em resumo, Guedes e seus técnicos deveriam ter mapeado o problema bem antes de anunciá-lo, em fins de julho, demonstrando surpresa. "Estamos processando, as informações estão chegando, às vezes vem coisas de outros Poderes que nos atingem e aí nós temos de fazer um plano de combate imediato, já tem uma fumaça no ar", afirmou o ministro em fins de julho. "Nós estamos mapeando um meteoro que pode atingir a Terra".

O "combate imediato" ao "meteoro" dos precatórios, para abrir espaço fiscal a gastos eleitorais em 2022, se deu, como se vê, por meio de uma tentativa de legalizar quebras das regras do jogo de controle fiscal. O risco, como ressalta a IFI, no relatório em que comenta a PEC dos precatórios, é o de "produzir turbulências sobre as expectativas de mercado, com prejuízo para o quadro fiscal agregado, via juros e dívida pública".