Descrição de chapéu Coronavírus enem

Não deveria ter de escolher entre a vida e a universidade, diz candidata que desistiu do Enem

Alunos relatam medo de contágio e ansiedade antes da prova, que começa neste domingo (17)

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Isabela Palhares Juliana Mesquita
São Paulo

Depois de ter passado todo o ano passado buscando estratégias para continuar estudando em casa para conseguir uma vaga em medicina com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), Laryssa Oliveira, 18, decidiu que não fará a prova.

Ela mora com os pais e o avô de 96 anos em Sousa, na Paraíba. Desde março, a família segue com o isolamento restrito e, por isso, a estudante avaliou que se for fazer a prova do Enem colocaria o idoso em risco.

“Estudei muito durante todo o ano e foi muito difícil manter o ritmo, me machuca muito não fazer a prova. Mas não posso expor meu avô dessa forma. Nenhum aluno deveria ter de escolher entre a vida e uma vaga na universidade”, disse a jovem.

Pela distribuição feita pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pela prova, ela faria o exame em uma faculdade particular da cidade. Oliveira fez o Enem de 2019 no mesmo local e lembra que eram muitas salas, todas com cerca de 60 alunos.

“A faculdade sempre fica lotada em dias de provas, muita gente nos portões. Não há garantia de que isso não vá acontecer ou que as salas vão estar mais vazias. Se for ao Enem, será a primeira vez que vou entrar em uma aglomeração.”

O primeiro dia de provas do Enem será neste domingo (17), em meio a uma explosão de casos e mortes pela Covid-19 em todo o país. Apesar do esforço de estudantes e órgãos públicos para o adiamento do exame, o Inep decidiu manter a data.

O argumento do órgão é de que adotou medidas de segurança suficientes para evitar contaminação na prova que tem 5,7 milhões de inscritos e cerca de 400 mil colaboradores envolvidos na aplicação.

A Defensoria Pública da União tentou por ação judicial impedir a realização da prova neste domingo, mas o pedido foi rejeitado pela Justiça Federal. No entanto, a juíza que analisou o caso ponderou que decisões de estados e municípios de barrar o Enem com justificativas relacionadas ao nível da pandemia teriam de ser respeitadas.

A prova já foi adiada em todo o estado do Amazonas, onde foi registrado colapso da saúde. Há ainda ações para impedir a realização do Enem no Acre e Mato Grosso. Em outros locais, como Distrito Federal e Paraná, a defensoria recomendou o adiamento diante do aumento de casos de Covid-19.

Sem o adiamento em todo o país, muitos estudantes decidiram que não irão fazer a prova. Além do medo de contágio, eles relatam que tiveram muita dificuldade para estudar no último ano, com o fechamento das escolas, e por isso avaliam que o risco não compensa a exposição.

A desistência dos estudantes é uma das apostas de integrantes do Ministério da Educação para evitar grandes aglomerações nos locais de prova. A expectativa é que a taxa de abstenção seja a maior da história.

“Tive muita dificuldade para estudar esse ano, aprendi muito pouco. Não me sinto preparada para a prova, não vale a pena colocar minha saúde e a dos meus pais em risco sabendo que dificilmente conseguirei uma vaga”, contou Eduarda Alves, 18 anos.

Ela terminou o 3º ano do ensino médio em dezembro, depois de ter frequentado menos de 2 meses de aula presencial na escola estadual Charles de Gaulle, no Itaim Paulista, zona leste da capital. Os pais, que são do grupo de risco para o coronavírus, apoiaram a decisão da filha.

“Eles viram como tive dificuldade de estudar, sabem que é um risco à toa.”

Mesmo com o medo de contaminação, outros estudantes decidiram que vão fazer a prova. É o caso de Larissa Andrade, 20, ex-aluna de escola pública, que vai tentar o Enem pela 4ª vez para uma vaga em artes visuais.

Ela se matriculou em um cursinho, mas não teve nenhuma aula presencial em 2020. “No começo, eu conseguia acompanhar as aulas online regularmente. Mas, com o tempo, a instabilidade afetou meu desempenho e passei a me dedicar mais a procurar um emprego do que a estudar em si.”

Thiago Conceição, 19, vai prestar o Enem pela 3ª vez e também teve dificuldade para continuar estudando durante a pandemia, já que não tinha computador em casa.

Depois de todo o esforço da família para que ele pudesse acompanhar as aulas online, ele decidiu fazer a prova, mas tem medo de se infectar. “Em 2019, fiz o Enem em uma universidade aqui na cidade onde não tem janela, nem ventilação. Não sei como será neste ano.”

Veja mais relatos de estudante abaixo.

Giovanna dos Santos Pires da Silva, 17, Rio de Janeiro

A estudante já havia prestado a prova como treineira em 2019, mas neste ano é para valer. Com o foco de entrar para o curso de ciências sociais, Giovanna, assim como milhões de alunos no país, teve seus planos frustrados pela pandemia de Covid-19.

A estudante Giovanna dos Santos Pires da Silva, do Rio, que estudou para o Enem - Gabriel Cabral/Folhapress

Aluna de escola particular, logo teve sua dinâmica de estudos totalmente alterada.

“Tem sido difícil estudar, minha maior dificuldade foi manter o foco. No começo a gente não tinha uma direção de quando a prova seria realizada, se as aulas presenciais voltariam, o que aconteceria Isso dava um desânimo”, diz.

“O peito apertava toda vez que eu pensava que era a minha grande oportunidade de passar, que eu poderia estudar mais, já que estava em casa. Não diria tanta pressão externa, minha família sempre me apoia, mas me sinto mal de pensar que posso decepcioná-los”.

Além da própria segurança, ela teme pelos seus pais —ambos no grupo de risco da Covid-19. “Me sinto bastante apreensiva. É desrespeitoso com a vida de nós, estudantes, nossos familiares e todas as pessoas envolvidas na aplicação da prova. Além de desrespeitar a votação —que escolheu a aplicação do exame em maio—, o Inep está indo contra as recomendações das instituições de saúde.”

Thiago Martins Conceição, 19, Cuiabá, Mato Grosso

O estudante prestará o Enem pela terceira vez, para tentar ingressar na faculdade de psicologia. Ex-aluno de escola pública, Thiago teve dificuldades para conseguir estudar na pandemia.

Neste ano, ele conseguiu entrar para um cursinho pré-vestibular, o MEDacesso,oferecido por alunos que já passaram no vestibular para medicina e que agora ajudam estudantes de escolas públicas a ingressarem na universidade.

Garoto sorrindo
O estudante Thiago Martins - Arquivo Pessoal

O ensino a distância, no entanto, foi difícil, já que Thiago não tinha um computador. O equipamento foi adquirido com grande esforço por sua mãe.

A vontade de entrar para a universidade é grande, mas o medo de prestar a prova nesse momento também.

“No passado, prestei o Enem em uma universidade aqui na cidade onde não tem janela nem ventilação. Aí eu te pergunto: como fica quem irá realizar a prova este ano lá?”

O estudante ainda teme pela sua mãe, que faz parte do grupo de risco para as complicações da Covid-19. Tudo isso o tem afetado diretamente.

“Eu sofro de ansiedade, já parei semana passada na UPA, por receio, medo. Eu penso que tem mais pessoas assim no mesmo estado. E como sempre, somos deixados de lado, não temos voz”.

Larissa Andrade, 20, Carapicuíba, São Paulo

Ex-aluna de escola pública, Larissa prestará o Enem pela quarta vez. Seu sonho é cursar artes visuais. Para isso, ela se inscreveu em um cursinho pré-vestibular, mas nunca teve as aulas presenciais que estavam planejadas.

“No começo, eu conseguia acompanhar as aulas online regularmente, assim como realizar os exercícios propostos. Porém, com o tempo, a instabilidade afetou e muito no meu desempenho e na minha motivação; passei a me dedicar mais a procurar um emprego do que a estudar”.

garota olhando para trás de quem tira a foto
A estudante Larissa Andrade - Arquivo Pessoal

Atualmente, ela trabalha como jovem aprendiz administrativa, mas vê no Enem a sua grande oportunidade. Por outro lado, teme realizar a prova em meio à pandemia.

“É frustrante. Essa é a palavra que mais me cabe. Dedico anos da minha vida para o tão sonhado ingresso na faculdade, e quando finalmente sinto que minha hora pode ser essa, tenho medo. Medo de ficar doente, de contaminar minha família, de não ter tempo para conciliar com o emprego e ajudar com as contas.”

Larissa ainda diz que tem respeitado a quarentena desde o começo. “Cheguei a recusar vagas de emprego presencial para prezar a saúde dos daqui de casa. É um desrespeito com aqueles que estão seguindo as medidas de distanciamento”.

Flávia Bloisi Moraes, 19, Santa Terezinha, Bahia

Já é a quinta vez que a estudante vai prestar o Enem. Ela tem feito a prova desde o primeiro ano do ensino médio.

Ex-estudante da escola pública, Flávia sonha em cursar medicina. “O Enem significa uma porta de entrada para a universidade, porque não tenho condições de me manter em uma faculdade particular.”

Para se preparar, ela estuda com a ajuda de canais do YouTube e com os livros que tem.

garota olha para a câmera com o rosto apoiado levemente na parte de trás da mão direita
A estudante Flavia Bloisi - Arquivo Pessoal

“Além de toda a pressão, da ansiedade por eu precisar passar no Enem, mas sem saber o que fazer caso eu não consiga, senti falta de um professor para me auxiliar e tirar dúvidas. Senti falta de um curso, mesmo que a distância, mas não tive condições de pagar um”.

Flávia ainda teme pelo seu bem-estar e de sua família ao prestar a prova. “O sentimento é de insegurança, impotência e medo. Não tem como confiar nas medidas sanitárias que o governo diz adotar, mas não detalha quais são.”

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